Tuesday 29 May 2007

Do Anjo Guerreiro - I


No tempo em que o tempo não existia era um guerreiro. Era o guerreiro. Era a espada da Luz, era a sentença, era a pena.. espada flamejante, manto azul, unicórnio alado.. tudo o que possuia não me pertencia, tudo o que me pertencia não era eu. Só as asas constantemente erguidas, despertas, em alerta e o sorriso... e o sorriso... mas isso era no tempo em que o tempo não existia.

No tempo em que o tempo não existia combatia lado a lado com o eleito da Luz. Anjo tão belo, tão perfeito, tão sereno nos gestos imprevisiveis, esbelto e altivo... a sua voz magoava de tão doce, o seu olhar feria de tão meigo... ele era o eleito porque a todos dominava. Ele dominava porque era a perfeição. Tão perfeito que a própria Luz concedeu-lhe o seu próprio nome... no tempo em que o tempo não existia combatia lado a lado com Lúcifer. O criador de Luz, a estrela da manhã, o Anjo Perfeito.

Não sei quando soaram as trombetas... mas sei que foi com esse som de apelo que nasceu o tempo. Vi-o. Nasceu para dominar. E nunca mais observei semelhante beleza... os arcanjos perfilados, duas linhas paralelas deslumbrantes, frente a frente... e o sorriso em todos eles. E as trombetas soavam, suaves. E eles sorriam, suaves. E eu contemplava, sorrindo... suavemente. Letárgico, em transe... não, nunca vi semelhante beleza. Via Mickael, Gabriel, Cassiel, Uriel de um lado... via Lúcifer, Enoch, Abbadon, Samael do outro. Lúcifer olhou-me... e sorriu. Mickael olhou-me, parando de sorrir... ergueu a espada e apontou para o unicórnio á sua direita. Tinha um manto azul e uma espada flamejante... era o único unicórnio sem cavaleiro. Compreendi então que as trombetas soavam e soavam para fazer nascer o tempo, aniquilando o paraíso perdido. Vi nitidamente a besta nascer, para todos dominar. Vi a batalha que se iria travar pelo trono vazio de um mundo sem reis... Recuei... só eu não sorria... só eu não combati...


Só eu fui despojado de asas... só eu caí...


Só eu ouvi a voz que me gerara com cânticos condenar-me ao exilio terreno no mundo dos homens, onde houvesse uma batalha estaria lá, para pagar com sangue o sorriso que perdi. A única batalha que não travei condenou-me a batalhar toda a existência, desprovido de asas e de sorrisos. Acato. Expulsem-me.... uma luz intensa cegou-me e senti-me a voar novamente... mas já não o podia fazer. Estava a cair, a cair, a cair...


O sangue que corria livre pelo meu rosto despertou-me... vi passar um unicórnio com um manto azul e uma espada flamejante. Galopou até desaparecer no horizonte onde a única luz que me cegava era o Sol. Nunca mais vi um unicórnio... estava em casa.
« Battles are fought by those with the courage to believe
they are won by those who find the heart
find a heart to share
This heart that fills the soul will point
the way to victory
If there's a fight then I'll be there
I'll be there!!... »

Wednesday 23 May 2007

Exilio


São lúcidas as tuas formas elaboradas a compasso para passo a passo serem descompassadas e alterar batimentos cardíacos - síncopes, taquicardia - em incontidos soluços, convulsos, amargos do âmago de uma alma que ama e que chama e que chora... quanta demora nesses gestos. É hora. Vibrantes as tuas palavras de ódio que feriram - adagas - que cumpriram - pragas - enquanto assistias, estranha vestal, á queda abrupa de um admirável mundo criado por mim, querido por ti.. abandonado por nós.

É sem dúvida amor o que persigo. És sem dúvida, amor, o que persigo.

Condenaste-me ao exilio que com um prazer furioso abracei. Tal como quando te abraçava em fúria invocando o prazer, descrente nos sentidos que adormeciam enquanto velava o teu sono, desperto, bem perto do teu rosto, tão perto que o ar expelido com a meu respirar te levantava os cabelos soltos, rebeldes, que teimavam em cair nas minhas mãos...
É sem dúvida vida que me retiras. És sem dúvida a dádiva dessa vida.
«Ayer los dos soñábamos con un mundo perfecto
Ayer a nuestros labios les sobraban las palabras
Porque en los ojos nos espiábamos en el alma
Y la verdad no vacilaba a tu mirada
Ayer nos prometimos conquistar el mundo entero
Ayer tu me juraste que este amor seria eterno
Porque una vez equivocarse es suficiente
Para aprender lo que es amar sinceramente
Que hiciste
Hoy destruiste con tu orgullo la esperanza
Hoy empañaste con tu furia mi mirada
Borraste toda nuestra historia con tu rabia
Y confundiste tanto amor que te entregaba
Como permiso para sí romperme el alma
Que hiciste
Nos obligaste a destruir las madrugadas
Y nuestras noches las borraron tus palabras
Mis ilusiones acabaron con tus farsas
Se te olvidó que era el amor lo que importaba
Y con tus manos derrumbaste nuestra casa..»

Friday 4 May 2007

Das mil e uma vidas - Um arcanjo

Eu fui aos bosques porque queria viver deliberadamente, enfrentar somente os fatos essenciais da vida, e ver se eu não podia aprender o que ela tinha a me ensinar, e não, quando viesse a morrer, descobrir que não havia vivido. Não queria viver o que não fosse vida, viver é tão bom; nem queria praticar resignação, a menos que fosse realmente necessário. Eu queria viver profundamente e sorver toda a essência da vida, viver violenta e espartanamente de forma a derrotar tudo que não fosse vida, e reduzí-la aos seus mais simples termos, e, se isso se provasse pobre, porque então alcançar a sua miséria completa e genuína, e anunciar esta miséria ao mundo; ou se fosse sublime, conhecer de experiência, e ter condições de dar um relato fiel disto em minha próxima excursão...

Henry Thoreau

Queria que fosse sublime mas resigno-me com a miséria de nojo e negação que é o teu rosto que nunca vi e só assim o imagino, na liberdade poética da minha escrita, nas letras acutilantes que fluem livres neste pequeno monitor electrónico. É aqui que te entregas, é aqui que enfim te possuo.. se verificar o cripto das tuas palavras verei apenas arabescos monossilábicos que é o ser que tu és.. já vivo na miséria, já sou miserável, não me resigno a uma vida de miséria. Despojado de asas vou para os bosques. E será sublime, porque é meu... e será terrivel porque sou eu... e será pungente porque nada me pertencerá. Nem eu. Nem eu...

Partes, Arcanjo?... Queres agora as asas, Anjo Caído? Vem... já expiaste o suficiente.

Das mil e uma vidas de um Arcanjo recordarei apenas os sorrisos que serei obrigado a deixar cair na noite gélida do esquecimento. Vou.