Monday 18 June 2007

Ícaro



Atraía-me aquela Luz imensa, resplandecente, anéis de fogo, promessas de alianças entre mim, um simples e patético Ícaro e um deus maior e eterno, um gigante etéreo, um monstro de chamas com a lingua incandescente que ameaçava lamber-me as feridas da alma.. só naquela forja de fúria teria enfim a cicatriz de uma vida vã, alimentada com sonhos e perdida em desejos... e o apelo de me erguer e voar... e o apelo de me erguer e levitar... ah, o apelo...

Do fogo ás chamas, labaredas de amor. Levitar-avançar. Erguer-me e voar.

Atraía-me aquela Luz imensa, amante envergonhado, que me obrigava a fechar os olhos só de a contemplar.. feria-me a vista de tão brilhante, feria-me a alma de tão distante.. pudesse eu, num efémero instante, perder a visão para a abraçar... e o apelo de me erguer e levitar. Voar. Para a alcançar.

Labaredas de amor de uma alma em fogo que constantemente chamas. Levitar. Avançar.

São as minhas mãos desajeitadas, humanas, calejadas, suadas de tão unidas em preces incontidas, em credos incrédulos, em súplicas e rezas.. se me prezas, apressa-me... inspiras-me quando me velas e de velas a cera, a cera que unirei ao meu dorso fatigado, ao meu torso fustigado, ao meu espirito imolado, e só assim me elevarei...

Amor de labaredas plenas de incertezas. Do fogo ás chamas. Elevar-levitar.

Da viagem nada posso recordar... nem as pessoas minusculas, nem os telhados de colmo que contemplava no alto, do alto do meu ser. Fixava-me em ti e quanto mais me aproximava, mais o ar me sufocava e me fazia recuar.. a tua Luz alentava-me e inequivocamente chamavas-me... quase que jurava que abrias os braços para me receber no peito, nesse que seria o primeiro e ultimo abraço, tão desejado que seria mortal. Deixei de ver pessoas minusculas e telhados de colmo, deixei de sentir o ar que sufocava, e mergulhei na escuridão do espaço sideral, tremendo de desejo e temendo a promessa do abraço que seria mortal. Subitamente o primeiro beijo, que rasgou o negro que me envolvia.. o primeiro toque que me incendiou o rosto... e a entrega final num espasmo fatal, a posse prometida, a cera derretida... era teu minha querida... era teu. Minha querida. Do fogo ás chamas labaredas de amor. Meu amor.. meu amor.
« Ó Ícaro esboçado!, quem soubesse
em vez deste saber de coisas vagas,
com que cera devera unir-te as asas
- para que Sol nenhum as desfizesse! »