Wednesday 6 June 2007

Do Anjo Guerreiro - II


Na torre mais alta


Na torre mais alta com vista para o fosso e que impelia a voar ela estava mergulhada num sono profundo, mais profundo que o fosso que a vigiava e eu, que a velava, não a queria acordar... ouvia brandos murmúrios, era ela a sonhar... e o seu ventre incandescente, gigante de vida presente, só me fazia soluçar. Seria menino ou menina, seria rei ou rainha, seria meu, seria minha, assim conseguisse eu regressar, a esta torre mais alta com vista para o fosso profundo e que impelia a voar.. mas despedia-me agora, era enfim chegada a hora de partir para o fim do mundo com a certeza de não mais voltar...

( Sei que vou ver o unicórnio que me assombra, sei que a espada que me pesa verterá sangue, sei que nunca mais voltarei a sorrir... sem asas, sem sorriso, com a minha vida a crescer naquele ventre, vida que crescerá sem mim... mais uma batalha por travar, mais uma vida por errar... preparem-me o cavalo, tenho um unicórnio á minha espera... e hoje é um bom dia para morrer. Dia de tempestade. )

Batalha

Em solo sagrado, rodeado de demónios, onde as bátegas infernais limpavam o sangue de faces descarnadas formando rios vermelhos de loucura, criando loucos onde havia formas serenas de ternura, onde os gritos de raiva e horror mutilavam os sentidos e aquele torpe estertor de lâminas a tocarem-se na fúria cega de invadirem um corpo, trespassarem a carne e roubarem a alma ao desconhecido oponente... estava em casa, finalmente, e tinha um unicórnio á minha espera. Apressemo-nos, rápido, rápido... não o façamos esperar... Mais uma investida... mais morte a rodear-me...

( A terra ficou escura... e nessa escuridão ouvia apenas um galope, tão suave que seria um trote, uma passada graciosa, como se fosse possivel um cavalo levitar... uma imagem de luz rompeu triunfante a escuridão e vi um corno branco despedaçar a névoa envolvente que me acariciava docemente e impelia-me a descansar.. entrou e saiu a perversa imagem que me aguardava... um climax de sons ensurdecia-me... estava caído. Novamente caído.. ferido de morte. Ferido de vida. Pudesse eu abraçar a morte e dizer-lhe suavemente « nunca mais »... o meu estandarte elevava-se, alto e mais alto, os meus guerreiros elevavam a voz, alto e mais alto, proferindo o grito eterno de constantemente repetido a meus ouvidos: « Vitória... Vitória.. Vitória... » )


Aproximou-se um cavaleiro do meu corpo inerte e ajoelhando-se a meu lado sussurrou-me: « É uma menina, Messire... é uma menina... exigem saber o seu nome..»
- Vitória...

( A minha face distendeu-se enquanto uma lágrima se aventurava pelo meu rosto e fazia amor com o sangue que a consumia... senti os lábios afastarem-se... sensação desconhecida... sensação estranha... sensação reconhecida... menina... rainha... minha... Vitória. Um unicórnio que passava, de corno branco e manto azul, de espada flamejante e olhar distante forçou-me a abandonar o meu corpo... )

O rapaz arrastava os corpos para a vala comum... chorava contemplando aqueles rostos desfigurados e os horriveis esgares de verdadeiro horror... só um sorria, abertamente, a face distendida num sorriso... e que sorriso... porque sorria o Messire?...